O saneamento básico é um problema crônico na cidade de Manaus. A questão não é somente a falta ou a precariedade dos serviços de abastecimento de água, esgotamento sanitário, limpeza urbana e manejo de resíduos sólidos e drenagem e manejo das águas pluviais urbanas. Manaus está atrasada há séculos, sem esboçar nenhum avanço. Falta de água potável nas periferias, igarapés tomados pelo lixo, ausência de esgotamento sanitário, lixeiras viciadas por toda parte e bueiros inutilizáveis.
A ineficiência dos serviços é expressão da má gestão da cidade e dos empreendimentos, que ignoram a população e o cuidado da natureza. Não se pode dizer que tais precariedades são frutos da gestão pública, pois em Manaus grande parte desses serviços é privatizada ou terceirizada. Estava enganado quem pensou o mercado como a solução para todos os nossos problemas urbanos. A população continua desamparada enquanto os empresários nadam em rios de dinheiro tributários dos serviços públicos.
Acabamos de acompanhar o triste final de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI), que foi instalada na Câmara dos Vereadores de Manaus (CMM) para investigar as irregularidades cometidas pela concessionária Águas de Manaus, responsável pelos serviços de abastecimento de água e esgotamento sanitário. A concessão dos serviços já ostenta 23 anos de duração, mas estamos ainda entre os piores centros urbanos do Brasil, segundo dados atualizados do Sistema Nacional de Informação sobre o Saneamento (SNIS) e do Instituto Trata Brasil.
Os vereadores desistiram de investigar as denúncias após receberem uma proposta da concessionária reduzindo temporariamente as tarifas dos serviços de esgotamento sanitário, que chegam somente a 25% da cidade. Diante da proposta, os parlamentares abandonaram os objetivos pretendidos, ignorando as denúncias e as irregularidades há muito tempo expostas. Como sempre, frustraram a população que esperava por uma apuração rigorosa dos delitos e ansiava pela punição exemplar da empresa. Nada disso foi feito.
Na última semana foi a vez da Polícia Federal deflagrar a “Operação Entulho”, em parceria com o Ministério Público e a Receita Federal, para investigar as fraudes praticadas pela empresa que realiza os serviços de limpeza pública e coleta de lixo. Os envolvidos emitiram notas fiscais fraudulentas no valor de R$ 250 milhões, com sonegação fiscal em mais de R$ 100 milhões em tributos federais. Na operação, foram presos preventivamente cinco empresários por forjarem notas fiscais “frias”, a fim de esconder sonegação fiscal e prática de lavagem de dinheiro.
Neste caso, a população também espera que todas as evidências sejam apuradas e os responsáveis sejam punidos na forma da lei. Ao contrário do caso anterior, nenhuma proposta deve ser feita visando interromper as investigações, mas espera-se que os objetivos da operação sejam alcançados, chegando a um desfecho favorável para o conjunto da sociedade, que paga caro pela realização dos serviços de limpeza pública e coleta de lixo. Pensando somente em extorquir a população, as empresas envolvidas no crime entregam serviços precários, promovendo o caos socioambiental na cidade.
O saneamento básico é uma das políticas estruturais da cidade. Sem esses serviços dificilmente vamos melhorar a qualidade de vida da população e contribuir para reverter a crise socioambiental que se abate sobre a Amazônia e os centros urbanos. Para isso é necessário o envolvimento de todas as esferas do governo e da sociedade, não deixando espaço para nenhuma negociação ou acordo que possa desviar desse propósito.
*Sandoval Alves Rocha é doutor em Ciências Sociais pela PUC-Rio, mestre em Ciências Sociais pela Unisinos/RS, bacharel em Teologia e bacharel em Filosofia pela Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia (MG). Membro da Companhia de Jesus (Jesuíta), atualmente é professor da Unisinos e colabora no Serviço Amazônico de Ação, Reflexão e Educação Socioambiental (Sares), sediado em Manaus/AM.