Camila Rocha*, na Folha de São Paulo
A Sabesp é uma das maiores empresas de saneamento do mundo. Sua rede de água abastece mais de 28 milhões de pessoas, e mais de 25 milhões são beneficiadas por sua coleta de esgoto. Sozinha, a Sabesp é responsável por cerca de um terço de todo o investimento em saneamento básico do Brasil. Apesar disso, houve apenas uma empresa interessada em ser sua acionista de referência.
A Equatorial Energia S.A. é uma holding brasileira que atua, principalmente, no fornecimento de energia elétrica.
Alvo de inúmeros processos por deixar as populações dos diversos estados brasileiros onde atua sem luz, a empresa afirma que entrou recentemente no setor de saneamento. Por “recentemente” leia-se: em 2022 a Equatorial passou a atuar com saneamento ao se tornar responsável pela oferta do serviço em 16 cidades do Amapá.
Hoje o estado do Amapá possui cerca de 750 mil habitantes. Para efeito de comparação, apenas o bairro do Grajaú, localizado na zona sul da capital paulista, possui mais de 348 mil habitantes.
Além da diferença abissal no tamanho da população dos dois estados, há também uma enorme diferença na prestação do serviço.
De acordo com o Censo de 2022, São Paulo é o estado que possui o melhor serviço de esgoto do país. Mais de 90% da população paulista tem acesso à coleta de esgoto, enquanto a média nacional é de 62,5%. Já no estado do Amapá, onde a Equatorial passou a atuar, apenas 11% da população tem acesso a esgoto.
Apesar disso, São Paulo ainda enfrenta desafios na universalização do serviço. De acordo com dados do DataSUS de 2019, a região metropolitana de São Paulo, que abrange 39 municípios do estado, gastou naquele ano mais de R$ 3 milhões com internações relacionadas a doenças cuja água é o principal meio de transmissão.
Mais de 6.000 pessoas foram internadas e 139 morreram. No mesmo ano, 7 pessoas por dia morreram no Brasil pelos mesmos motivos.
No entanto os problemas que preocupam a Equatorial parecem ser de outra ordem.
Em uma apresentação voltada a investidores realizada no início deste mês, a holding, que possui entre seus principais acionistas o banco Opportunity, de Daniel Dantas, já elencou suas ações prioritárias junto à Sabesp: “redefinir” a relação com sindicatos, implementar programas de demissão voluntária, “reestruturar” times, estabelecer uma “cultura de resultados”, “otimizar benefícios e políticas de remuneração” e implementar a “cultura de dono”.
No caso, “dono” refere-se aos acionistas da empresa, e não ao povo paulista, por óbvio.
Na apresentação, a Equatorial deixa clara sua preocupação em aumentar o retorno de investidores por meio de cortes de gastos com funcionários, a despeito da Sabesp ser uma empresa lucrativa.
A “economia” já se dá, inclusive, com a própria oferta de compra das ações a um valor inferior ao de mercado. Curiosamente, Karla Bertocco, que fazia parte do conselho da Equatorial até dezembro de 2023, assumiu o cargo de presidente do Conselho de Administração da Sabesp meses antes de a Equatorial fazer sua proposta.
A privatização da Sabesp em si é absurda e contrária à tendência mundial no setor. Porém o processo que vem sendo conduzido sob a batuta de Tarcísio de Freitas é o pior possível. Sem dúvida é uma tragédia anunciada.
*Doutora em ciência política pela USP e pesquisadora do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento