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Arma na cabeça é normal: técnicos da Sabesp que cortam água relatam agressões

Funcionários estão na linha de frente da crise e são hostilizados por moradores enfurecidos em SP.

Ter armas apontadas para a cabeça e receber ameaças de morte fazem parte da rotina dos técnicos da Sabesp em operações nas ruas de São Paulo. Além de exigir longas e exaustivas jornadas de trabalho, a crise hídrica ensinou funcionários da empresa a driblar diariamente a frustração dos moradores de bairros carentes, que chegam a ficar cinco dias com as torneiras secas. “Sofremos ameaças. O pessoal aponta arma para a gente. Isso é normal”, diz João*, um dos quatro técnicos que revelaram as agressões ao iG.

Trabalhadores da Sabesp sao hostilizados pela populacao
João* foi avisado que seria queimado vivo dentro de uma viatura da Sabesp se cortasse a água – Foto: Carolina Garcia/iG São Paulo

Pouco tempo depois de ter uma arma apontada para a sua cabeça “por estar cortando a água de todos”, João foi avisado que seria queimado vivo dentro da viatura com o colega que acompanhava a operação. Com medo de represálias, todos os ouvidos pediram para não ser identificados na reportagem. Eles não registraram boletins de ocorrências, mas afirmam ter comunicado superiores sobre o caso.

Um sentimento comum entre todos os funcionários é de que a crise hídrica os colocou na linha de frente contra a população atingida. “A gente que trabalha na rua e corre perigo porque os moradores querem água. Quem está na linha de frente respondendo por isso?”, desaba Marcos*, que está há 20 anos na empresa.

Todos os casos de violência se deram em bairros dos extremos da capital, onde ocorrem aberturas e fechamentos de registros, como foi revelado pelo iG. O período de torneira seca pode chegar a dias seguidos. “Vejo um futuro muito perigoso com a água acabando e a população revoltada”, questiona o funcionário Carlos*.

Clique aqui e assista ao depoimento de dois funcionários agredidos durante o trabalho

Com ameaças diárias de linchamento, ele reconhece ter ficado com medo quando foi ameaçado por um grande grupo de moradores: “Fui levar um caminhão-pipa e o povo estava revoltado. Começaram a gritar: ‘Vamos matar esses cornos da Sabesp’. Falei que era um pai de família e que só estava armado com a minha coragem de trabalhar, mais nada”. Ele e companheiro foram defendidos por uma moradora idosa, que conseguiu controlar os vizinhos.

Procurada pelo iG, a Sabesp admitiu que “costuma enfrentar ocorrências desse tipo sempre que o fornecimento de água é suspenso por algum motivo técnico” e que, inclusive, os funcionários têm sido escoltados em alguns casos.

“A política da empresa tem sido a de conversar e negociar com os manifestantes e buscar uma solução para cada caso. Quando precisam se dirigir para área de maior risco, os funcionários têm sido acompanhados por seguranças”, disse em nota.

Outro funcionário, que trabalha na Sabesp há 15 anos, considera deixar a empresa após recorrentes agressões.“Estamos com medo e o problema é que a empresa não assume publicamente o rodízio. Se me ameaçarem de novo, falo para tocar fogo na viatura mesmo. Eles não estão totalmente errados. É horrível ficar contra uma população que está correta”.

“Culpa é do racionamento clandestino”

O sindicato Sintaema, responsável pela categoria de trabalhadores, revelou ao iG que comunicou a empresa sobre 20 casos de agressões contra técnicos. O assunto foi abordado durante uma reunião com o atual presidente da Sabesp, Jerson Kemal, no dia 21 de janeiro.

Segundo Antônio da Silva, que atua como secretário-geral do sindicato, a empresa nega “porque sabe que é fruto de sua irresponsabilidade”. E continua: “Temos relatos e constatamos nas áreas de São Paulo e Grande São Paulo, onde funcionários estão sendo ameaçados nos bairros que estão sem água. É culpa desse racionamento clandestino que a Sabesp vem praticado”.

De acordo com o sindicato, as regiões de Cotia, Carapicuíba, Barueri, Guarulhos, Osasco e São Mateus são consideradas as mais perigosas para os técnicos. O sindicato já recebeu depoimentos sobre xingamentos, roubo de chave de viatura, funcionários que foram mantidos reféns ou até levaram tijoladas de moradores enfurecidos.

“A situação é muito grave e os funcionários estão sentindo a pressão. Se a empresa assumisse para a população que está abrindo e fechando registros, ficaria mais tranquilo”, acredita Silva. Dentro do sindicato, a principal orientação aos técnicos é não se expor e abandonar regiões que apresentem ameaças.

* nomes fictícios para proteger a identidade dos entrevistados.

Fonte: Último Segundo/IG