Por Alexandre Pessoa Dias*
Após a passagem desse período desastroso de quatro anos de desmonte das políticas públicas do nosso país, principalmente para as populações mais vulnerabilizadas, o ano de 2023 começa com um processo de reconstrução das políticas públicas de saneamento e de saúde, com inúmeras e profundas mudanças. Superar a atual insegurança hídrica no Brasil é um grande desafio.
Recentemente a Funasa foi extinta pela MP no.1.156, de 01/01/2023 e segundo o Decreto no.11.333 de mesma data, a partir do retorno do Ministério das Cidades, foi criado, na sua estrutura organizacional, o Departamento de Extinção da Funasa, vinculado à secretaria-executiva e o Departamento de Saneamento Rural e de Pequenos Municípios, vinculado à Secretaria Nacional de Saneamento Ambiental, que lhe compete, dentre outros, implementar o Programa Nacional de Saneamento Rural (PNSR).
O PNSR tem como marcos referenciais, o saneamento básico como direito humano; como promoção da saúde; na erradicação da extrema pobreza e no desenvolvimento rural solidário e sustentável. Um verdadeiro divisor de águas, que pretende resolver uma dívida histórica do Estado brasileiro com o saneamento rural, ainda mais em um contexto de emergência climática e de insegurança hídrica.
A pergunta que diversos sanitaristas estão fazendo é como garantir a indissociabilidade do saneamento e saúde para a efetividade e fortalecimento do PNSR, uma vez que o programa saiu do Ministério da Saúde e foi para o Ministério das Cidades? Como garantir que a previsão orçamentária prevista no PNSR seja efetivada para essa finalidade, com acompanhamento do Conselho Nacional de Saúde?
Como, para além da avaliação das intervenções de saneamento pelos indicadores de morbimortalidade, a partir das ações do PNSR, os profissionais da saúde que têm grande capilaridade nesse país e que conhecem os modos de vida e o saneamento, nos âmbitos comunitários e domiciliares, junto com os profissionais do saneamento, poderão fortalecer as diretrizes e estratégias do PNSR? Para que de fato isso seja feito é imprescindível uma ação intersetorial e interdisciplinar entre os dois ministérios, contando com a efetiva participação e controle social.
Nesse sentido, diante das profundas alterações institucionais em curso que serão determinantes para nortear as políticas de saneamento e de saúde no território nacional, poderíamos caminhar no sentido de constituir um “Grupo Gestor Intersetorial”, com a participação dos órgãos públicos do saneamento, da saúde e da educação, das universidades e demais instituições de pesquisa e de representantes das populações do campo, da floresta e das águas (ASA, ABA, Contag, MST, APIB, COIAB, MPP, MAB etc).
Cabe destacar que o PNSR prevê a elaboração do Programa Nacional de Saneamento Indígena com garantia e efetiva participação dos povos indígenas, sendo necessário cumprir a previsão orçamentária para tal. O PNSR assegura a participação, a diversidade e o controle social nos processos decisórios, no planejamento, na execução e na gestão do saneamento e a constituição de um Fórum Gestor do PNSR com representantes dos governos e entidades da sociedade civil organizada.
O Grupo da Terra foi extinto de forma irresponsável pelo governo Bolsonaro, mesmo desempenhando um papel central na elaboração da Política Nacional de Saúde Integral das Populações do Campo, da Floresta e das Águas (PNSIPCFA), bem como na contribuição ativa para o PNSR. A PNSIPCFA e o próprio Grupo de Terra precisam ser reativados, inclusive para acompanhamento do PNSR, como uma estratégia de diálogo e articulação com os povos indígenas, comunidades tradicionais e inúmeros movimentos sociais de um país que tem a riqueza de uma exuberante cartografia social e de uma megabiodiversidade que, portanto, precisam ser cuidadas e protegidas.
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*Alexandre Pessoa Dias é Engenheiro sanitarista da Fiocruz integrante da equipe técnica de colaboradores na elaboração do PNSR1.