Em reportagem publicada no dia 1º de dezembro, a Revista Carta Capital reflete sobre a gestão Tarcísio de Freitas e indica para um governo bem mais privatista que ideológico ou bolsonarista.
No ponto saneamento, a reportagem da Carta destacou a ameaça de privatização da Sabesp e a luta que a direção o Sintaema tem empreendido para barrar essa proposta.
Em entrevista à Carta Capital, o presidente do Sintaema, José Faggian, afirmou: “É uma das maiores empresas de tratamento e distribuição de água do mundo, a maior da América Latina. Todos os anos a Sabesp fecha no azul. Não tem argumento razoável para defender uma privatização”.
E lembrou que diversos países do mundo estão fazendo exatamente o inverso, reestatizando os serviços de água e esgoto. “Na França e na Argentina, há um movimento para reestatizar as empresas de água, porque a privatização trouxe impactos muito nocivos. Quando a gente pensa em saneamento básico, estamos falando em saúde. Isso não pode ficar na mão de empresas privadas que buscam apenas o lucro”, destacou Faggian.
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Tucanato 2.0
Por Mariana Serafine
Na capital paulista, todos os dias tem feira de rua em algum bairro, com os feirantes anunciando as promoções aos berros: “Olha a banana, só 10 reais a dúzia. Bora levar, freguesia!” Quando prefeito, Gilberto Kassab tentou censurar a gritaria, mas a ideia não vingou.
Agora, quem diria, é o aliado Tarcísio de Freitas, recém-eleito governador, quem se porta como feirante, desfilando as ofertas estatais em praça pública: “Vou privatizar o Porto de Santos, vou transferir a Sabesp à iniciativa privada”. A postura em pouco difere das gestões anteriores do estado, administrado há 28 anos pelo PSDB. Não por acaso, o deputado federal Alencar Santana, do PT de São Paulo, diz esperar mais um governo tucano “com gás renovado”. Aos bolsonaristas, talvez sejam reservados apenas postos simbólicos e de parcos recursos, onde travarão sua “guerra cultural contra o comunismo”.
“A despeito da turma ideológica que o cerca, Freitas aliou-se rapidamente aos políticos que ditam os rumos de São Paulo há quase três décadas e demonstra uma vontade renovada de promover o desmonte do Estado”, alerta o parlamentar. Ao que tudo indica, as privatizações não ficarão apenas na promessa, como indicam as primeiras nomeações do novo governador. Na sexta-feira 25, ele anunciou o advogado Arthur Lima, seu braço-direito no Ministério da Infraestrutura, onde presidiu a Empresa de Planejamento e Logística, hoje transformada em Infra S.A., como secretário-chefe da Casa Civil, responsável pela coordenação dos trabalhos e investimentos do goveno. Já supersecretaria de Infraestrutura, Meio Ambiente e Transportes ficará sob a responsabilidade de Natália Resende, procuradora federal da Advocacia-Geral da União, que atuou como consultora jurídica de Freitas na administração federal.
Kassab, presidente do PSD, ficará responsável pela articulação política e está cotado para assumir a Secretaria de Governo. A sigla também está de olho em outras secretarias, com orçamento elevado e de maior visibilidade, entre elas Educação e Saúde. O cacique paulista é conhecido por jogar em muitas frentes, e neste momento não é diferente. Ao mesmo tempo que tenta galgar espaços estratégicos no governo estadual, está de olho também na transição do presidente Lula. Segundo Alencar, não há novidade nesse modo de agir. “Kassab está fazendo o que sempre fez: aproxima-se de todos os governos oferecendo apoio, mas também defendendo interesses próprios e de grupos empresariais.”
Natália Resende é especializada em regulação, desestatização e concessões. Atuou no Ministério da Infraestrutura tanto no governo Bolsonaro quanto na gestão de Michel Temer. Ao assumir a supersecretaria, estarão sob o comando dela a Sabesp, responsável pelo abastecimento de água e tratamento de esgoto, o Porto de São Sebastião, as balsas, a Dersa, a Companhia Ambiental e a Agência de Transportes do Estado de São Paulo, bem como o Departamento de Estradas e Rodagem. Uma cartela imensa de aparelhos públicos cobiçados pelo setor privado.
O currículo de Lima é menos robusto que o de Resende, mas o advogado também é da confiança do governador. Além de comandar a Infra S.A., ele gerenciou o Fundo de Saúde da Secretaria de Saúdedo Distrito Federal. Na vida pessoal, o futuro secretário tem um passado a esconder. Em 2017, foi acusado de agressão doméstica pela ex-mulher, chegou a responder a processo judicial com base da Lei Maria da Penha. Quando o episódio voltou à tona, o gabinete de transição de Freitas apressou-se em sair na sua defesa. Segundo o grupo, Lima “prestou todos os esclarecimentos e foi absolvido”, por falta de provas do suposto crime.
O cientista político Claudio Couto, professor da FGV de São Paulo, acredita ser cedo para avaliar se o novo governo será mais ideológico ou pragmático, mas diz ser mais provável o segundo perfil. “Ainda não dá para saber se o Tarcísio de Freitas é um bolsonarista de ocasião ou um convicto. Embora ele tenha vindo do meio militar, rapidamente virou um tecnocrata civil. Eu apostaria em um governo de direita relativamente pragmático, mas não coloco a mão no fogo. Precisamos ver as nomeações para as pastas mais cobiçadas pela turma ideológica, da tal ‘guerra cultural’.
A equipe de transição abarca vários integrantes do chamado “bolsonarismo raiz”, mas esses parecem estar relegados a áreas de menor visibilidade e orçamento enxuto. É o caso da deputada estadual Sonaira Fernandes, que não se cansa de bater boca com colegas do PT e do PSOL na Assembleia Legislativa. A parlamentar do Republicanos, o mesmo partido do governador, conduz os trabalhos na área de Desenvolvimento Social, Mulheres e Direitos PCD. “Se Tarcísio não der espaço para esse pessoal, aí dá para carimbar que fará um governo de direita tradicional. Nesse caso, não muda muita coisa para a população paulista, acostumada com as gestões PSDB desde meados dos 1990”, emenda Couto.
O nome mais cotado para a Secretaria de Educação é o de Renato Feder, que comandou a mesma pasta no governo de Ratinho Júnior, do PSD, no Paraná. Embora defenda o modelo de escolas cívico-militares, uma das bandeiras do bolsonarismo, ele se destaca mais pela obsessão em entregar a administração de escolas públicas à iniciativa privada. “Feder tem perfil conservador, mas não chega a ser um obscurantista, desses que negam a ciência o tempo todo. É mais privatista que bolsonarista”, observa o cientista político. “Agora, é preciso ver quem será indicado para a Cultura, uma área muito visada pelos fundamentalistas.”
Se Feder for mesmo confirmado para a Educação, os professores já estão prontos para resistir à política de privatização, garante a deputada estadual Maria Izabel Azevedo Noronha, a Bebel, que também preside o Sindicato dos Professores do Estado de São Paulo. “Sabemos que o Feder pretende privatizar a gestão das escolas, além de reduzir as aulas presenciais e intensificar o teletrabalho. Isso nos preocupa muito.”
A professora entrou em contato com seus pares paranaenses para saber como era a relação do secretário com a categoria, e não gostou do que ficou sabendo. “Feder não é de dialogar. Se for isso mesmo, não teremos outra alternativa senão travar a luta nas ruas, como sempre fizemos”, diz. Bebel tampouco tem esperanças de que o novo governador opte por um secretário de perfil mais moderado. “Tarcísio de Freitas não tem um nome técnico, como ele gosta de dizer, para colocar na Educação. Ele pretende colocar em prática uma política ultraliberal, de capitalismo selvagem mesmo. Isso, sem falar nas questões de ideologia de gênero, escola sem partido. Independentemente de quem seja indicado, haverá resistência.”
A fusão das secretarias de Infraestrutura, Meio Ambiente e Transportes tampouco é bem-vista pelo presidente do Sintaema, o Sindicato dos Trabalhadores em Água, Esgoto e Meio Ambiente, José Faggian. “Meio Ambiente é uma pasta que deve zelar pelo bem-estar da população, e não deve ser tocada na m esma toada privatista e produtivista de outras áreas, como a Infraestrutura”, critica. Segundo o dirigente, os trabalhadores da Sabesp começaram a se movimentar durante a campanha, logo que a empresa começou a ser anunciada por Freitas como alvo de privatização.
Atualmente, a empresa de capital misto tem quase metade de suas ações na Bolsa de São Paulo e na Bolsa de Nova York. O governo estadual ainda mantém, porém, o controle acionário. Para Faggian, privatizar a empresa é um erro não apenas do ponto de vista estratégico, mas também porque dá lucro aos cofres públicos. “É uma das maiores empresas de tratamento e distribuição de água do mundo, a maior da América Latina. Todos os anos a Sabesp fecha no azul. Não tem argumento razoável para defender uma privatização”, denuncia o funcionário de carreira. “Na França e na Argentina, há um movimento para reestatizar as empresas de água, porque a privatização trouxe impactos muito nocivos. Quando a gente pensa em saneamento básico, estamos falando em saúde. Isso não pode ficar na mão de empresas privadas que buscam apenas o lucro.”