Home Destaque Luís Nassif: EMAE e o golpe das privatizações de Tarcísio de Freitas

Luís Nassif: EMAE e o golpe das privatizações de Tarcísio de Freitas

Por Luis Nassif*
 
A onda de privatizações no Brasil tem seguido um roteiro que, embora legalmente estruturado, levanta sérias questões sobre governança, transparência e o papel do Estado em setores estratégicos. Casos como os da EMAE, Eletrobras e Sabesp revelam um padrão: aquisição de controle com participação minoritária, decisões financeiras controversas e impactos diretos sobre serviços públicos essenciais.

O modelo em três atos

  1. Blindagem ideológica
    A mídia reforça a narrativa de que empresas estatais são ineficientes, enquanto privatizações são sinônimo de modernização e progresso. Essa construção simbólica prepara o terreno para a aceitação pública da venda de ativos estratégicos.
  2. Arquitetura financeira sofisticada
    O controle das empresas é adquirido com uma fração do capital total, por meio de estruturas como fundos de investimento, debêntures e garantias cruzadas. O caso da EMAE é emblemático: o Fundo Phoenix FIP comprou 30% da empresa por R$ 1 bilhão, usando ações da Ambipar como garantia — ações que, segundo a CVM, foram artificialmente valorizadas.
  3. Rapinagem sobre o caixa e os ativos
    Após assumir o controle, os novos gestores priorizam distribuição de dividendos, desmonte de ativos ou investimentos em empresas do próprio grupo, em detrimento da qualidade dos serviços. A EMAE, por exemplo, investiu R$ 250 milhões em títulos da Light S.A., empresa ligada a Nelson Tanure, e emprestou R$ 10 milhões à Milos Participações, também associada a ele.

O caso EMAE

Tome-se o caso Empresa Metropolitana de Águas e Energia (EMAE), a primeira privatização do governador Tarcísio de Freitas. O leilão foi realizado na B3 em 19 de abril de 2024. O vencedor foi o Fundo Phoenix FIP, controlado pelo notório Nelson Tanure.

Estudos do próprio governo paulista haviam apontado para um valor potencial de R$ 10 bilhões, em caso de venda da companhia. No entanto, o controle terminou vendido por pouco mais de R$ 1 bilhão, um ágio de 33,68% sobre o preço mínimo, saudado pela mídia como prova do sucesso das privatizações de Tarcísio.

Antes disso, uma análise técnica da CVM (Comissão de Valores Mobiliários)  apontou um “movimento orquestrado” entre Tanure, o Banco Master e Tércio Borlenghi Junior (controlador da Ambipar) com o objetivo de elevar o preço das ações da Ambipar. Essa valorização favoreceu a constituição da garantia (ações da Ambipar) para o financiamento da aquisição do controle da EMAE, que foi de cerca de R$ 1 bilhão, por 30% de seu capital. Ou seja, um golpe – da valorização artificial da Ambipar – garantiu a compra do controle da EMAE.

  • Em fevereiro de 2025, a EMAE fez um empréstimo de R$ 10 milhões para a Sociedade Milos de Participações, apontada como controlada indiretamente por Tanure.
  • Depois, anunciou um investimento de R$ 250,4 milhões em títulos de dívida da Light S.A., empresa que tem Tanure como um dos grandes acionistas.

Em setembro de 2025, o Fundo Phoenix não pagou a primeira parcela de remuneração das debêntures. A Vórtx Distribuidora de Títulos e Valores Mobiliários, agente fiduciário dos credores da EMAE, moveu ação judicial acusando Tanure de esvaziar o caixa da companhia. 

Como consequência, os credores (Fundo Macadâmia/XP e Vórtx) decretaram a execução antecipada da dívida de R$ 520 milhões, financiados por debêntures, executando as garantias. O controle da empresa acabou sendo adquirido pela Sabesp por R$ 1,13 bilhão.

Eletrobras: O Caso da Influência Desproporcional

A privatização da Eletrobras em 2022 reduziu a participação da União de 65% para 43%, mas com poder de voto limitado a 10%. A 3G Radar, com apenas 1,3% do capital, passou a influenciar decisões estratégicas. A modelagem da privatização foi criticada por permitir que minoritários exercessem controle efetivo, sem contrapartida proporcional de responsabilidade ou investimento.

A Equatorial Energia tornou-se investidora de referência da Sabesp com apenas 15% das ações, adquiridas por R$ 6,9 bilhões. A valorização de 130% das ações foi celebrada como sucesso, mas a crise hídrica de 2025 expôs fragilidades: redução de pressão em áreas periféricas, dificuldade de resposta emergencial e dúvidas sobre a priorização do lucro frente ao bem-estar coletivo.

Comparativo dos Casos

Empresa Participação no Controle Valor da Aquisição Impacto Estratégico
EMAE 30% R$ 1 bilhão Esgotamento de caixa, judicialização
Eletrobras 1,3% R$ 33,7 bilhões Redução do poder estatal
Sabesp 15% R$ 6,9 bilhões Crise hídrica, desigualdade regional

 

 

 

 

 

 

 

Reflexões Finais

A privatização, quando feita com transparência, planejamento e foco no interesse público, pode ser uma ferramenta legítima de modernização. No entanto, os casos recentes no Brasil mostram que o modelo adotado tem favorecido grupos financeiros em detrimento da sociedade. O controle com participação minoritária, aliado à fragilidade regulatória, tem permitido práticas que comprometem a sustentabilidade dos serviços públicos.

*Luis Nassif é jornalista, com passagens por diversos meios impressos e digitais ao longo de mais de 50 anos de carreira, pelo qual recebeu diversos reconhecimentos (Prêmio Esso 1987, Prêmio Comunique-se, Destaque Cofecon, entre outros). Diretor e fundador do Jornal GGN.