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Investimento e planejamento combatem crise hídrica sem penalizar população

Na edição 808 do Jornal do Sintaema reproduzimos a matéria “Crise de Abastecimento era uma tragédia anunciada” do Jornal Le Monde Diplomatique – Edição de Maio/2014. Frente à publicação, a Sabesp solicitou espaço no Jornal do Sintaema para expor sua posição sobre o assunto. Acreditando ser o debate democrático a melhor saída para os problemas diante da crise de água, o Sintaema atendeu ao pedido da Sabesp.

Conjunto de medidas implementadas reduziu as vazões retiradas do Sistema Cantareira em até 11 m³/segundo, resultado equivalente ao de um rodízio severo de apenas dois dias com água em um período de sete dias.

A crise hídrica que estamos atravessando tem mantido a Região Metropolitana de São Paulo e a Sabesp no centro das atenções.
O seu sinal mais evidente foi a drástica e rápida diminuição dos volumes de água reservados no Sistema Cantareira. Vale uma pequena retrospectiva: a partir de dezembro de 2013, entramos em um regime de chuvas absolutamente escassas. Estabeleceu-se um fenômeno climático global novo, desconhecido – logo, ausente das previsões meteorológicas anteriores -, numa faixa estendida deste a Austrália até parte da América do Sul (Chile e sudeste brasileiro, especialmente) e, no hemisfério norte, a região da Califórnia. Nos últimos nove meses, as baixíssimas precipitações pluviométricas levaram as vazões afluentes aos reservatórios do Sistema Cantareira a se situarem abaixo de 70% da série de mínimas históricas observadas desde 1930. Trata-se de uma seca muito mais aguda que a verificada em 1953/1954 – que provocou dramático racionamento de energia e de abastecimento de água em uma São Paulo pré-metropolitana então muito menor, com uma população de 3,4 milhões de habitantes.

Apenas mais recentemente houve o reconhecimento de que o stress hídrico não se limita à Metrópole, mas estende-se a praticamente todo o Estado e a parte da região Sudeste. Há racionamento de água em várias cidades do interior; sistemas isolados de captação para uso industrial virtualmente secaram; a hidrovia Tietê-Paraná está parcialmente paralisada; a acumulação dos reservatórios utilizados para a geração de energia elétrica encontra-se em níveis muito baixos, compensada, não sem incertezas e nervosismo, pela marcha forçada da geração termelétrica.

Nestas condições amplamente adversas, é natural, entretanto, que a Região Metropolitana permaneça atraindo atenção maior. Ela concentra mais de 50% das atividades produtivas do Estado de São Paulo e quase metade da sua população – ou o equivalente a toda a população de Minas Gerais. Assim, qualquer situação desfavorável afeta um território que é nacionalmente estratégico, tanto pela sua dimensão urbana quanto pela sua relevância econômica. 

Diante disso, existem pelo menos três ordens de questões a enfrentar: a interpretação da situação; as medidas emergenciais em curso para contornar os impactos da crise; as conclusões técnicas e as estratégias futuras indispensáveis à convivência com períodos de intensa escassez hídrica – inclusive para a hipótese de que se repitam com mais frequência e intensidade, a se confirmarem teorias de mudança climática.

Seguindo este roteiro, há que lidar com a suposição, destacada na imprensa diversas vezes, de que a falta de planejamento e de investimento levou à crise; houvesse um e outro, ou a crise não se instalaria ou os seus efeitos seriam muito reduzidos. Por esta linha de raciocínio, a simples correção de falhas anteriores pavimentaria com mais facilidade o caminho para evitar crises similares no futuro. 

Contudo, a argumentação é frágil. Primeiro, subestima a própria intensidade da seca que atravessamos; assim, desobriga-se de reconhecer que o sudeste não está imune a situações climáticas cuja intensidade nos habituamos a ver apenas em outras regiões brasileiras. No entanto, os técnicos já sabem que os estudos hidrológicos para a região sudeste obrigatoriamente considerarão a atual seca como a referência mais crítica a ser observada para o futuro, com impactos sobre o planejamento, os custos e a execução de intervenções em energia e saneamento, pelo menos.

Segundo, a argumentação ignora que a produção de água para a Região Metropolitana de São Paulo cresceu significativamente nas duas últimas décadas, em regime de ajuste com a demanda. Este  crescimento se fez segundo os planos diretores elaborados pela empresa – o planejamento e a execução das intervenções permitiram superar a notável disjunção entre as proporções urbanas e econômicas da Metrópole e as disponibilidades hídricas escassas na bacia do Alto Tietê e em regiões vizinhas. Terceiro, a argumentação passa ao largo do fato de que os investimentos da Sabesp têm crescido substantivamente – duplicaram, em valores reais, nos últimos dez anos. Exatamente porque os investimentos cresceram tão expressivamente é que houve tanto a ampliação da produção de água quanto a elevação da cobertura com sistemas de esgotamento sanitário.

O conjunto de medidas implementadas (operacionais e comerciais) reduziu as vazões retiradas do Sistema Cantareira em até 11 m³/segundo, resultado equivalente ao passível de ser obtido com um rodízio severo, de apenas dois dias com água em um período de sete dias. As providências tomadas para as captações das reservas técnicas dos reservatórios Jacareí e Atibainha foram bem sucedidas e impediram o colapso do abastecimento. Grande parte das medidas contingenciais foi concebida pelo próprio corpo técnico da empresa; outra parte foi adaptada da experiência de enfrentamento de situações de crise similar em outros países (como em Barcelona, por exemplo). Nada disso implica dizer que a crise hídrica foi dominada ou que adquiriu proporção menor. As dificuldades permanecem e a estratégia a reiterar ou reorientar dependerá do comportamento pluviométrico dos próximos meses. Mas é fato que o abastecimento se manteve.

Nesse sentido, o apoio da população foi fundamental. O balanço de agosto da adesão ao bônus para quem economiza água revela que 76% dos clientes da Sabesp na Grande São Paulo conseguiram diminuir seu consumo em relação à meta estabelecida. Foram 51% dos imóveis com redução acima de 20% – e, portanto, com direito ao bônus – e outros 25% com diminuição no consumo, mas sem atingir a meta. Além do benefício financeiro, a adesão da população gerou uma economia de 3.900 litros de água por segundo. É o volume que deixou de ser consumido com o uso racional feito pelos moradores. São mais de 10 bilhões de litros de água potável que deixaram de ser consumidos em todo o mês de agosto.

O combate às perdas físicas dos sistemas de abastecimento também teve grande contribuição. Para evitar o desperdício em Tóquio, onde as perdas são de 5% – o menor índice mundial -, foram necessários cinquenta anos de fortes investimentos. A perda física na Região Metropolitana de São Paulo, para o mesmo indicador, é de 18%, semelhante à verificada para a Grande Londres, cujas condições urbanas também não mostram similaridade com a nossa situação, de convívio com bolsões de pobreza e uma estimativa de 3 milhões de moradores de favelas e loteamentos precários apenas na cidade de São Paulo.

Para o futuro, o stress hídrico sem precedentes traz a necessidade de ideias novas, pertinentes a estratégias de fôlego, muito além de esquemas de explicação administrativa. Destacamos três pontos.
Primeiro, o setor de saneamento em São Paulo deverá manter investimentos simultâneos em abastecimento de água e em esgotamento sanitário. Esta simultaneidade não se verificou em metrópoles de países desenvolvidos onde, além disso, a evolução urbana distribuiu-se por um período de tempo muito maior. Entre nós, o crescimento foi exponencial, em prazo curto e, além disso, saímos de patamares muito baixos de atendimento com os serviços de saneamento, se consideramos as décadas de 1950, 1960 ou mesmo a década de 1970.
Segundo ponto: será também necessário investir em maior segurança hídrica, um imperativo para todo o Estado. O estudo de abastecimento da Macrometrópole de São Paulo é documento qualificado para a identificação das possibilidades e dos caminhos a percorrer neste sentido: como garantir água, em regime de segurança, para o mais importante território urbano e econômico brasileiro. Será adequado, entretanto, que as suas proposições sejam revisadas em valores e urgência em função das novas simulações hidrológicas que tomarão a situação atual como a mais aguda crise de referência. Bem a propósito, o estudo da Macrometrópole esclarece a obrigatoriedade de reservatórios de regularização, inclusive na bacia dos rios Piracicaba-Capivari-Jundiaí, onde duas barragens novas a serem construídas deverão corrigir – aí sim – uma situação anômala.

Finalmente, o planejamento da Sabesp também considerará a crise hídrica atual e será orientado para a criação de capacidade ociosa maior nos sistemas de produção de água – isto implicará um adicional importante de investimento aos níveis já dispendidos atualmente. No entanto, o conjunto das exigências pode fazer parecer que “a conta de recursos não fechará”, isto é, elas se tornariam, numa primeira análise, superior à nossa capacidade atual de investimento. Há, todavia, condições razoáveis de fazer com que “a conta feche”, sem qualquer alteração relevante da tarifa a ser cobrada da população. Basta que se reduza a carga tributária que onera as empresas de saneamento, especialmente depois da criação do Cofins. Tomemos um exemplo ilustrativo: o investimento no novo sistema produtor São Lourenço, ora em andamento, e que acrescentará 5,0 m³/segundo ao abastecimento da Região Metropolitana de São Paulo, custará cerca de R$ 2,2 bilhões de reais – as vazões serão trazidas de uma distância
de 100 km, vencendo um desnível superior a 300 metros.

A Sabesp pagou R$ 700 milhões apenas de Cofins no exercício de 2013. Em resumo: três anos de Cofins pagam integralmente o Sistema São Lourenço.