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Internacional

Tese 1 – Conjuntura Internacional
A crise capitalista e a luta dos trabalhadores

1- O Brasil não é uma ilha. Com as suas particularidades, ele reflete o que se passa num mundo injustamente “globalizado”. Pelo maior peso geopolítico alcançado nos últimos 10 anos, ele também interfere com mais força nos rumos do planeta. Neste sentido, analisar o contexto mundial ajuda a entender o que ocorre no país e a definir os próximos passos das lutas dos trabalhadores por seus objetivos imediatos e futuros. O atual cenário internacional é bastante contraditório, com enormes perigos e muitas possibilidades. Entre outras características, ele é marcado pelo agravamento da crise capitalista, que afeta principalmente os chamados países desenvolvidos; pela ascensão de novos centros de poder, com destaque para os Brics (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul); pelo aumento da agressividade das potências imperialistas, que investem cada vez mais na solução militar para a sua crise; pelo maior protagonismo político exercido pelas nações soberanas da América Latina; por uma nova onda destrutiva e regressiva do capital contra os direitos dos trabalhadores; e pela eclosão de intensas lutas dos povos, principalmente da juventude, por justiça, democracia real e dignidade. É neste turbilhão que o Brasil está inserido, o que coloca grandes desafios para o sindicalismo e para as forças progressistas da sociedade.

2- A mais recente crise do capitalismo, deflagrada em 2007 com a implosão do setor imobiliário nos EUA, confirma que este sistema não serve à humanidade. Similar à “grande depressão” de 1929, a atual crise é sistêmica, crônica e prolongada. Ela teve início nos chamados países desenvolvidos e logo contaminou o restante do mundo. A partir da bancarrota do banco Lehman Brothers, em setembro de 2008, o ritmo da quebradeira se acelerou. Até o início deste ano, 468 instituições financeiras entraram em colapso nos EUA – com a falência de quatro dos cinco maiores bancos do império. Com a acelerada desregulamentação e financeirização do capitalismo, a crise rapidamente atingiu o setor produtivo, com o fechamento de milhares de fábricas, a explosão do desemprego e a retração do consumo. Os EUA deixaram de ser a locomotiva da expansão produtiva no mundo e passaram a acumular dívidas colossais, reforçando o seu caráter parasitário. A dívida pública saltou de 43% do Produto Interno Bruto (PIB), em 2007, para 100% em 2013. Prova da hipocrisia do discurso neoliberal do “estado mínimo”, o banco central ianque (FED) sacou US$ 29 trilhões dos cofres públicos para salvar os banqueiros.

3- As operações de socorro, porém, não solucionaram a grave crise capitalista. Ela rapidamente migrou dos EUA para a Europa, o velho continente hoje totalmente falido. Os países mais vulneráveis da região – Grécia, Portugal, Irlanda e Espanha – perderam totalmente a sua soberania macroeconômica e atualmente são reféns da chamada troika, um comitê financeiro composto pelo Banco Central Europeu, Fundo Monetário Internacional e União Europeia. Eles vegetam na recessão há quase cinco anos. Todo o sistema de bem-estar social, erguido depois da II Guerra Mundial em decorrência da luta dos trabalhadores e do “medo do socialismo”, está sendo desmantelado. Mesmo países que aparentavam mais força, como a Alemanha e o Reino Unido, registram índices medíocres de crescimento econômico. O Japão, outra potência capitalista, também empacou na crise. Enquanto as populações vivenciam um trágico “estado de mal-estar social”, os governos locais se transformaram em biombos dos banqueiros e sugam bilhões de euros para socorrer as instituições financeiras e as poderosas multinacionais. Os ricos ficam cada vez mais ricos; e os pobres vegetam na miséria e na incerteza. Segundo estudos da Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE), que reúne as 34 nações mais ricas do planeta, a renda média dos 10% de ricaços é hoje nove vezes maior do que a dos 10% mais pobres. Em 1980, esta diferença era de cinco vezes. O fosso da desigualdade aumenta nos chamados países desenvolvidos.

4- Diante desta brutal crise, o capital intensifica a ofensiva contra os trabalhadores, que pagam o ônus da decadência capitalista. Os índices de desemprego batem recordes nos EUA, no Japão e na Europa. Relatório da Organização Internacional do Trabalho (OIT) aponta que em 2013 mais de 5,1 milhão de trabalhadores serão demitidos, engrossando a cifra dos 202 milhões de desempregados no planeta. Segundo o órgão, esta chaga vitima principalmente a juventude. A OIT calcula que 74 milhões de jovens padeçam sem emprego e perspectiva. Já o Escritório de Estatísticas da União Europeia (Eurostat) estima que 50% das pessoas com menos 25 anos estão desempregadas no velho continente. De forma oportunista e criminosa, o capital aproveita o cenário devastador do desemprego, que coloca na defensiva o sindicalismo, para retirar históricos direitos trabalhistas e previdenciários. Vários países promovem cortes lineares de salários, impõem contratos precários, aumentam as jornadas de trabalho e elevam o tempo de aposentadoria. Os governos a serviço do capital reduzem investimentos nas áreas sociais e demitem milhões de servidores públicos com o objetivo de reservar dinheiro para os banqueiros. Esta carnificina explica porque cresce assustadoramente o número de suicídios na Europa, de despejados e sem-teto nos EUA e de violência no decrépito capitalismo.

5- Além da escalada destrutiva e regressiva contra o trabalho, a atual crise capitalista apresenta dois outros graves retrocessos. Para defender os seus interesses econômicos e geopolíticos, as potências imperialistas se tornam ainda mais agressivas. A crescente militarização é um dos traços do cenário internacional. EUA, França, Reino Unido e a OTAN (Organização do Tratado do Atlântico Norte) recorrem cada vez mais ao poder militar para manter a sua hegemonia. Mali, Iraque, Afeganistão, Líbia, Síria e Irã são os alvos atuais desta cobiça. As guerras localizadas se expandem pelo mundo, com milhares de mortos e inválidos. Através da sua mídia venal, o imperialismo fala em “intervenção humanitária” e em defesa dos direitos humanos. O discurso utilizado é falso e serve apenas para enganar os ingênuos. Na verdade, a agressividade militar visa expropriar as riquezas naturais destas sofridas nações, como petróleo, ouro, diamante, urânio. A luta pela paz, contra as agressões imperialistas, é uma das principais bandeiras das forças progressistas na atualidade. O genocídio dos povos é mais uma prova de que o capitalismo não serve à humanidade. Outro indicador perigoso é o do crescimento das forças fascistas no mundo. Aproveitando-se do caos do desemprego e da ausência de perspectiva entre os jovens, estas hordas bárbaras pregam a xenofobia, o racismo e o ódio aos imigrantes. Partidos de extrema direita crescem eleitoralmente na Europa e trazem à lembrança o trágico período do nazi-fascismo e da II Guerra Mundial.

6- Diante deste cenário sombrio, as vítimas da barbárie capitalista resistem e lutam por seus direitos. Nos últimos três anos, ocorreram explosões de revolta, principalmente da juventude, em várias partes do mundo. Nos EUA, o movimento Ocupe Wall Street realizou protestos diários contra o 1% de ricaços que explora os 99% da sociedade ianque. Na Espanha, a “revolta dos indignados” ocupou as principais praças do país contra o desemprego que afeta mais de 50% dos jovens. No Reino Unido, a decisão do governo conservador de David Cameron de cortar os investimentos sociais gerou uma violenta onda de quebradeira de bancos, montadoras de automóveis e outros símbolos do capitalismo. Na Grécia e Portugal, o sindicalismo tomou a dianteira dos protestos e realizou várias greves gerais contra os “planos de austeridade” da troika. Já no mundo árabe, a revolta se dirigiu contra os governos autoritários associados aos EUA, como no Egito e na Tunísia. Na sequência, o imperialismo pegou carona na onda de protesto e financiou grupos terroristas para defender seus interesses na Líbia e Síria. Apesar de toda esta resistência, estes movimentos ainda não conseguiram se apresentar como alternativa de poder. Predomina a ausência de organização e de objetivos mais definidos, o que indica que a luta dos trabalhadores e da juventude ainda se encontra numa fase de defensiva estratégica. Ela não consegue conter a escalada destrutiva do capitalismo. Há ainda muita dispersão e fragmentação. Neste vácuo, as forças de direita, inclusive neofascistas, crescem e projetam novas ameaças contra os direitos dos trabalhadores. As lutas prosseguem, mas os horizontes ainda são indefinidos e preocupantes.

7- Um fator que aumenta as turbulências e as incertezas no cenário internacional é o da ascensão de novos centros de poder. Este é um dado positivo da atualidade, que serve para enfraquecer a hegemonia das potências imperiais. O desenvolvimento no capitalismo é, ao mesmo tempo, combinado e desigual. O sistema está interligado, mas existem momentos na história em que os polos dominantes entram em crise e novos centros de poder aproveitam as oportunidades criadas pela própria crise para se tornarem contra-hegemônicos. Na atualidade, este processo se dá com o surgimento e crescimento dos Brics, o bloco dos “países emergentes”, composto por Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul. Atualmente, os Brics já acumulam mais da metade das reservas de divisas no mundo. As cinco nações também são responsáveis por 21% da riqueza (PIB) global e têm, juntas, quase metade da população planetária. A ascensão deste centro de poder é hoje a maior ameaça aos EUA. Daí o seu temor diante dos Brics e, especialmente, da China. Segundo o Conselho Nacional de Inteligência dos EUA, o país continuará com sua hegemonia em declínio e, em 2030, deverá ser superado pela nação asiática. Nos últimos dez anos, a China já ultrapassou o Reino Unido, França, Alemanha e Japão, tornando-se a segunda maior potência do mundo. De acordo com o próprio FMI, a economia chinesa será a primeiro do mundo já em 2016. A agressividade dos EUA – que hoje contam com mais de 800 bases militares instaladas em cerca de 50 países – tem relação direta com a sua crescente perda de poder. As próprias manobras recentes do império, como o estímulo à chamada Aliança do Pacífico, confirmam que os EUA estão em decadência.

8- Por último, na análise do contexto mundial, vale destacar o papel jogado pela América Latina. Somos brasileiros e latino-americanos. O que ocorre no continente tem forte impacto sobre as lutas dos trabalhadores no Brasil. Neste sentido, o quadro atual é altamente positivo. A região sempre foi considerada um “quintal dos EUA”, sem autonomia e independência para enfrentar os seus graves problemas econômicos, sociais e políticos. Nos últimos anos, porém, houve uma sensível reversão neste cenário. A partir da eleição de Hugo Chávez na Venezuela, em novembro de 1998, ocorreu uma guinada à esquerda na América Latina. Governantes subservientes aos EUA, como o de FHC no Brasil, foram derrotados um a um nas urnas – no Uruguai, Argentina, Paraguai, Bolívia, Equador, El Salvador, Nicarágua, entre outros países da região. Os novos governantes oriundos das lutas contra o projeto destrutivo e regressivo do neoliberalismo foram adotando, cada qual com o seu ritmo próprio e com base na correlação de forças local, programas mais voltados às demandas da sociedade. Em curto espaço de tempo, os índices de miséria e de desigualdade social foram caindo no continente, como atestam os relatórios anuais da Cepal (Comissão Econômica para a América Latina). Enquanto o desemprego bate recordes nos chamados países desenvolvidos, o inverso acontece nos países latino-americanos dirigidos por forças anti-neoliberais. Como forma de resistir ao processo de desintegração imposto pelo império do norte, as nações do Sul também reforçam a integração regional – com a ampliação do Mercosul, a criação da Unasul e da Celac e a construção da Alba. Comparado ao triste período de FHC, Menem, Fujimori e de outros entreguistas, quando a região foi o laboratório do neoliberalismo, hoje ela ocupa a vanguarda na luta pela superação deste modelo destrutivo e regressivo.

9- Apesar destes avanços, a situação na América Latina não é de paz e tranquilidade. Há ainda muitas vulnerabilidades e limitações, com estados nacionais frágeis, economias pouco desenvolvidas, elevados índices de pobreza e débil organização dos movimentos populares. Em alguns países, como Venezuela, Bolívia e Equador, os governos foram mais ousados no enfrentamento da herança maldita do neoliberalismo. Em outros, como no Brasil, os passos são mais lentos, predominando a via da conciliação. As causas estruturais da desigualdade não são abordadas. Vinga a tese de que é possível fazer omelete sem quebrar ovos, de que a justiça social será implantada sem maiores rupturas e politização da sociedade. Além destas dificuldades internas, existem os obstáculos externos. Os EUA não desistiram do seu “quintal”. O império faz de tudo para desestabilizar e derrotar estas novas experiências progressistas e para sabotar a integração soberana da região. Alia-se às forças mais reacionárias destas nações para abortar mudanças mais profundas. No último período, o governo nacionalista de Manuel Zelaya, em Honduras, foi deposto por um golpe liderado por generais formados nos EUA; já no Paraguai, o presidente Fernando Lugo, seguidor da Teologia da Libertação, foi derrubado por um “impeachment sumário” imposto pelo oligárquico Partido Colorado. Em outras nações do continente a situação também está tensa, com riscos de retrocessos – como na Argentina. Além da sabotagem política, os EUA tentam asfixiar as economias soberanas da região. Derrotados na proposta neoliberal da Área de Livre Comércio das Américas (Alca), o império agora patrocina a chamada Aliança do Pacífico, que reúne México, Chile e Colômbia e tem como objetivo maior isolar os países que integram o Mercosul e Unasul. A América Latina avançou no período recente, mas a situação ainda é de incertezas.

10- Diante deste conturbado cenário mundial, quais são os desafios do sindicalismo brasileiro? Em primeiro lugar é urgente reforçar a integração das lutas dos trabalhadores latino-americanos, investindo em espaços de unidade dos movimentos sociais – como o Encontro Sindical Nossa América (ESNA) e o Fórum Social Mundial (FSM). Através desta e de outras iniciativas unitárias é possível definir calendários de ação conjunta em solidariedade aos povos e contra qualquer retrocesso na região. Algumas batalhas são urgentes, como no apoio ao processo de paz na Colômbia, pela libertação dos heróis cubanos aprisionados nos EUA, contra o bloqueio econômico a Cuba e pelo fim das bases militares ianques no continente, entre outras. Também é preciso intensificar a pressão para que os organismos de integração regional, como o Mercosul e a Unasul, adotem políticas de geração de emprego e renda e não se limitem apenas aos aspectos comerciais. Os projetos de desenvolvimento econômico não podem prescindir a bandeira da valorização do trabalho. O sindicalismo brasileiro e latino-americano também necessita reforçar a solidariedade aos trabalhadores e à juventude em luta no mundo inteiro. Questão decisiva no momento é a luta pela paz, contra as ameaças e agressões imperialistas na Síria, Líbia e Irã. Neste contexto é de relevante importância a criação de uma rede latino-americana de comunicação para combater a mídia golpista que hoje impera em nosso continente.