Home Destaque Na contramão do mundo, Tarcísio empurra São Paulo para abismo*

Na contramão do mundo, Tarcísio empurra São Paulo para abismo*

Por Luiz Fernando**

Desde que assumiu a condição de candidato, o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas, deixou claro ao eleitorado paulista que um de seus principais projetos políticos era entregar a Sabesp, a companhia de saneamento estadual, à iniciativa privada. 

Fundada em 1973, a empresa atende mais de 28 milhões de habitantes com água tratada e 25 milhões com coleta de esgoto, em 375 dos 645 municípios do estado (58% do total, o que significa 70% da população). Atualmente, a Sabesp é a maior empresa de saneamento da América Latina, a terceira maior do mundo e há mais de 20 anos não dá um real de prejuízo aos cofres públicos. Ao contrário. Dados públicos apresentados pela própria companhia apontam exatamente o oposto: disponibilizou vários bilhões de reais na forma de dividendos para o governo investir, além de distribuir bilhões em lucros aos acionistas. Apenas em 2022 foram 3 bilhões de reais de lucro líquido. 

A Sabesp também apresenta números expressivos quando analisado o cenário nacional do saneamento. Sozinha, responde por cerca de 30% do investimento no setor. Entre 2023 e 2027, planeja investir 26 bilhões de reais na melhora dos serviços. Dados do Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento (SNIS), banco de dados federal ligado ao Ministério das Cidades, colocam o estado de São Paulo em posição privilegiada diante dos demais entes da federação. Ou seja, 96% dos paulistas têm acesso à água tratada, 90% contam com coleta de esgoto e 69% recebem tratamento de esgoto. O índice de perda de água na distribuição é um dos mais baixos do país: 34%. Tais números demonstram que, hoje, a Sabesp é autossuficiente e, diferentemente de outras regiões do País, São Paulo avança rumo à universalização do saneamento. 

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A companhia é controlada pelo governo de São Paulo, mas tem 50% das ações negociadas em Bolsa. Não precisa, portanto, de interferências externas ou, como se pretende, auxílio da iniciativa privada. Temos travado uma luta muito grande na Assembleia Legislativa e junto à sociedade para barrar essa privatização, pois motivos não faltam para desconsiderar a proposta absurda. Temos dialogado de forma incessante com a população, no sentido de esclarecer e disponibilizar informações de credibilidade, pois acreditamos que a participação popular e o engajamento nesta causa são fundamentais para evitar retrocessos. 

Além de prestar um bom serviço (que, obviamente, pode e deve sempre ser melhorado), a empresa cumpre importante função social. A Sabesp trabalha com o “subsídio cruzado”, pelo qual atende igualmente os municípios que dão lucro e aqueles que dão prejuízo, tudo em nome do interesse público, do abastecimento de água e da coleta de esgoto para todos. Esse modelo, nas mãos da iniciativa privada, com certeza vai acabar: o objetivo final na iniciativa privada sempre será o lucro acima de qualquer outra necessidade.

A tarifa social, que garante conta mais baixa para a população de menor renda, também corre sérios riscos. A própria ONU, por meio de porta-vozes para questões de água e esgotamento sanitário, se posicionou globalmente a favor desse importante instrumento, fruto de políticas públicas sérias e comprometidas com justiça e equidade social. Em tempos de fake news e processos organizados de desinformação em massa, é compreensível que boa parte da população tenha dúvidas e levante questionamentos sobre a privatização de um serviço tão essencial ao desenvolvimento humano. “Mas o mundo inteiro privatizou, por que não podemos privatizar também?” Sim, é verdade. Mas é preciso ressaltar que praticamente o mundo inteiro voltou ou tem voltado atrás para reparar os erros. 

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Desde o início dos anos 2000, países como Alemanha, Canadá, Estados Unidos, Argentina, África do Sul, França, Reino Unido, Espanha e muitos outros privatizaram os serviços de água e esgoto. Resultado: os atendimentos pioraram e as tarifas aumentaram muito. Em todos esses países a prestação do serviço voltou ou está voltando para as mãos do governo, que tem como prioridade o interesse público, o saneamento básico e a saúde pública, não o lucro. Na Inglaterra, autoridades públicas discutem, neste momento, a possibilidade de retomada dos serviços de esgotamento sanitário, no que a imprensa local batizou de plano de “nacionalização de emergência”. A Thames Water, maior fornecedora de água da Grã-Bretanha, empresa privada, está em total crise financeira. A companhia atende 15 milhões de habitantes, muitos deles em Londres.

Segundo a Federação Europeia dos Sindicatos do Serviço Público (EPSU), países como Holanda e Itália retrocederam e foram além, proibindo, por meio de leis, o fornecimento de água pelo setor privado, tamanho o trauma oriundo de tais serviços prestados à população. Um estudo do Instituto Transnacional (TNI), centro de pesquisas com sede na Holanda, divulgado globalmente em veículos de comunicação, apresenta números relacionados ao movimento de devolução da gestão do tratamento e fornecimento de água às mãos públicas. 

Entre 2000 e 2015, foram identificados 235 casos de “remunicipalização” ou “reestatização” de sistemas de água, abrangendo 37 países e mais de 100 milhões de consumidores. O leque de problemas apontados envolve serviços inflacionados, ineficiência e falta de investimentos. Essa onda de reestatização é explicada pelo interesse principal da iniciativa privada. Ela quer operar nos grandes municípios, nas regiões metropolitanas e nas áreas mais ricas, onde existem estruturas organizadas. São locais em que o sistema funciona e os investimentos na captação e tratamento da água e do esgoto não precisam ser altos. É a lógica de gastar pouco e ganhar muito. Mas não precisamos ir longe para perceber que o modelo proposto pela gestão Tarcísio de Freitas corre sérios riscos. 

Em Manaus, mesmo após passar anos nas mãos da iniciativa privada, os serviços de saneamento da capital amazonense ainda apresentam números inexpressivos. A cidade está entre os 20 piores municípios brasileiros, coletando apenas 25% do esgoto e tratando somente 21%. Um assunto desses não pode ser tratado de qualquer jeito. O governo paulista precisa colocar na cabeça que água não é mercadoria, mas necessidade e direito da nossa população. É um direito garantido pela Constituição. A luta tem sido dura, mas continuaremos resistindo contra qualquer desmonte, sempre ao lado de quem mais precisa. 

*Título original: Na contramão do mundo
**Luiz Fernando é deputado estadual pelo PT de São Paulo. 
Artigo publicado pela Revista Carta Capital de agosto de 2023 • Ano XXVIII • N° 1270.