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Análise | A privatização da Sabesp e seus pecados capitais

Por Luciano Barbosa 

A entrega da SABESP para a empresa Equatorial que não tem nenhuma experiência com água e saneamento, a preço vil, demonstra apenas que a questão foi ideológica, causando enorme prejuízo ao governo de São Paulo, além de dúvidas sobre o futuro de uma das mais sólidas empresas do mundo no setor. 

Essa privatização denota um enorme descompromisso com o povo paulista, mas repercute positivamente numa imprensa, em sintonia com o governo Tarcísio, apoiado pela mídia em sua missão de promover esse irresponsável desmonte do Estado.

“Após a conclusão do processo de privatização da Sabesp, na terça-feira, 23 (de julho), o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), disse na manhã seguinte que há espaço para avançar nas privatizações de companhias estatais não só em São Paulo, como no Brasil. De acordo com o governador – tido como possível candidato à Presidência nas próximas eleições – “não dá para ficar só dependendo do nosso espaço fiscal para mobilizar investimento”, disse, ao comentar sobre a possibilidade de privatização da Petrobras e do Banco do Brasil. O governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva é contrário às privatizações”.

Talvez esta notícia seja a melhor síntese do recente processo de privatização da SABESP. Puro jogo de cena político para rivalizar e se colocar como alternativa eleitoral. Para tanto, o atual governador não poupa esforços nem tem medo de ser infeliz.

Nada contra o interesse do atual governador almejar de forma democrática a presidência da república, mas utilizar o patrimônio público em uma área de importância estratégica para cobrar um elevado preço da população de São Paulo é absurdo.

Por querer construir a casa pelo telhado, não foram medidos esforços para cumprir a meta de privatizar a maior e melhor empresa estadual de saneamento do País. Vejamos as principais atropeladas e os equívocos do processo:

  1. Depois de quase 20 anos se afirmando no novo mercado de ações (somente ações ordinárias), fato que colocou a SABESP como empresa de referência em transparência e governança coorporativa do setor, abdicou-se de seu controle para um futuro parceiro até então desconhecido que detém apenas 15% do capital (menor que qualquer golden share, tão execrada pelo novo mercado).
  2. Vendeu para o mercado aproximadamente 200 milhões de ações (15% para o parceiro privado e 17% ao mercado geral) a R$ 67,00 por ação, que no período correspondia a R$ 87,00, ou seja, um ganho financeiro pró mercado de mais de R$ 4 bilhões.
  3. Não houve disputa entre interessados num pleito desta magnitude, havendo apenas um concorrente, fato que por si só é preocupante e justificaria até a suspensão do certame, além do fato da participação de uma ex-colaboradora do parceiro privado no conselho de administração da SABESP, num claro conflito entre o interesse público e o privado.
  4. – A SABESP é uma concessionária de serviço público, não titular da prestação dos serviços (direito e obrigação pertencentes aos municípios), portanto, esta privatização trata de alienação de patrimônio e de assunção de direitos de exploração. Este fato exigiria que cada um destes ativos (tangíveis e intangíveis) fossem matéria de rigorosa avaliação e precificação com absoluta transparência para que eventuais futuros conflitos de interesses possam vir a ser arbitrados e sanados sem criar incertezas para os investimentos necessários.
  5. Uma das justificativas da privatização, em termos gerais, é obter recursos para investir em áreas essenciais do Estado. Aqui cabe a pergunta: quais projetos serão contemplados? Veja, esta obrigação deveria ser prévia a todo processo. Por exemplo, o governador poderia dizer: “vou construir 1000 escolas cívico-militares com os recursos arrecadados”. Somente assim poderíamos avaliar as vantagens e as desvantagens da alienação de tamanho patrimônio público.
  6. Outra justificativa comum a toda privatização, que também não foi observada, é a ampliação dos investimentos no setor. Este ponto deveria dizer onde, quando e como serão alocados os investimentos já previstos em contratos e sua ampliação. E não uma meta genérica de antecipar a universalização. Um exemplo de meta concreta seria investir R$ 20 bilhões em tratamento e captação de esgotos e limpar o Rio Tiete em 5 anos.
  7. A empresa vencedora tem pouquíssima experiência no setor, sua participação no setor elétrico é no mínimo acanhada para a missão que recebeu. Para complicar, não houve qualquer discussão sobre os impactos no atual marco regulatório do saneamento.

Estes são apenas alguns pontos que exigem repostas ao público.

Embora o STF tenha negado a cautelar suspensória, por não se tratar de tema constitucional, a PGR deverá investigar o caso. Mesmo se tratando de tema espinhoso, o debate deve ser aprofundado para se sair deste falso entendimento: qualquer privatização vale a pena. Até o poeta fez sua ressalva: somente se a “alma não for pequena”, ficando evidente neste caso que se trata apenas de transferência pura e simples do patrimônio público a mãos particulares.

*Luciano Barbosa é advogado e diretor do Sindicato das Advogadas e Advogados do estado de São Paulo (SASP).

**Texto publicado originalmente no portal Brasil247